Lado B - Blog de Fábio Menegatti

BLOG Lado B de Fábio Menegatti

Ao Mestre, com muito carinho

Foi nos anos 80 que construí minha base escolar. Época em que o primário, o ginásio e o colegial oscilavam entre a educação libertária e a conservadora. A primeira, ansiosa por escancarar o mundo que nos cercava, derivava da escola progressista do pensamento pedagógico, norteado por ninguém menos que Paulo Freire. Já a segunda, uma filha legítima da ditadura militar, um modelo conservador, impositivo. Um braço do regime político que acabara de se desintegrar.
Em 1986, já sob a batuta frouxa de José Sarney e as epopéias da inflação, alguém ousou romper o silêncio do tradicionalismo e lançou uma pergunta pretensiosa. A professora gostaria de saber quantos da sexta série tinham ouvido sobre os casos de perseguição a professores, estudantes, políticos, jornalistas, artistas, intelectuais. Ficamos mudos. A resposta que parecia óbvia não aparecia, o desconhecimento era tamanho que os relatos que vieram a seguir assumiam ares de filme policial. Foi essa, talvez, minha primeira aula de história realmente contemporânea, do cotidiano.
Contraditoriamente, estávamos em uma aula de Educação Moral e Cívica. A disciplina, um dos instrumentos de formação ideológica dos militares, já não precisava lustrar o cano da pistola de nenhum general. Começávamos a avançar além das páginas insossas que forjavam mentes e comportamentos, aprendíamos que o pensamento crítico podia existir.
Na semana em que se homenageiam os professores, lembro-me dos que tive pela vida afora, instigando o raciocínio, alimentando a crítica, errando junto, aprendendo também. Inevitável não enxergar que a profissão sempre foi grande referência entre todos nós. Carreira que alimentou o sonho de muitas moças que viam no magistério a possibilidade de serem iguais à patroa. Chance de homens trocarem a enxada pelo giz. Modelo passado de pais para filhos, status da classe média. Discurso corrente entre tantos pais ao constatarem a lástima que hoje se vê e o que um dia já foi. Um dever que muitos governos, eleitos com o nosso voto, costumam enterrar e construir sobre a cova um palanque. Penso também, nas aulas mal dadas que deixam de lado a oportunidade, talvez única, de se revelar que não somos, obrigatoriamente, fadados a ser aquilo que o destino aparentemente nos obriga.
A base daqueles anos me faz perceber que transformação é inerente à educação. O apreender traz em si uma energia capaz de provocar uma das mudanças mais significativas, a do comportamento. Reavaliar posturas, refletir pesado sobre fatos aparentemente banais. Sentir-se parte de um mundo em transformação e não apenas ser um receptor passivo do que é imposto. Ser ético e não apenas parecer que é.
Pena que tal proposta é negada à maioria. Muitos professores são formados aos trancos e quando vão para o mercado deparam-se com uma heterogeneidade social que os confunde. A educação entra pelo viés da mera reprodução de conceitos descontextualizados e, facilmente, torna-se apática, aparentemente sem sentido, pobre na essência das descobertas em grupo, do professor orientador.
Mesmo assim, meus sinceros parabéns! Não só pelo dia 15 de Outubro, mas pela persistência frente salário magro que os acompanha. Pelas escolas mal planejadas, esquecidas, às vezes com caixotes no lugar de cadeiras e vocês... insistindo. Pela altivez sob olho torto dos pais que os desmerecem por não ter anel de doutor reluzindo no dedo de uma das mãos. Pelos dias em que vocês complementam o que esses pais deixaram de fazer. Afinal, o ofício de educar os fez, estranhamente, abarcar funções que antes vinham de casa, desde o respeito mútuo até a percepção mínima de que pessoas não são coisas, e coisas, jamais serão pessoas.
É triste, mas necessário assumir que minha geração tem fracassado justamente no que cobra de vocês, educação. Aquela que se inicia no núcleo mais elementar, o da família, foi sorrateiramente transferida para a sala de aula. O sacro dever da reprodução, este sim é difundido, porém, a responsabilidade inerente ao ato parece só permear a fatura do cartão de crédito. Por sorte ainda existem pessoas como a senhora, Dona Maria Emília, minha antiga professora.! Obrigado por não poupar nossas cabeças da verdade e mostrar-nos precocemente que Shakespeare tem razão, há mais coisas entre o céu e Terra do que sonha nossa vã filosofia.

* Fábio Menegatti é jornalista, formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e licenciado em História pela Univag.E-mail: fabio@tvca.com.br